O meu professor de História

Hoje vi o meu antigo professor de História - aquele que foi, para mim, o melhor professor até à data deste dia. Era final da tarde quando fui à esplanada e o vi na esplanada em frente, ou melhor, na adjacente do lado direito. Não consigo precisar a 100% se era ele, contudo a ideia de poder ser ele evocou-me a um passado não muito distante, mas que senti como sendo um passado remoto e longínquo; como se a recordação não passasse de um sonho.
Lá estava ele - o que parecia ser ele - com provavelmente a sua esposa, a sua filha bem junto dele, e o seu cão ou cadela que deveriam ter levado a passear em família. O seu cabelo quase rente, já com tendências grisalhas, contrastou com a imagem que tinha dele com o seu cabelo um pouco maior, embora também já com indícios claros das entradas na parte superior da cabeça - também elas marcos da passagem do tempo. O seu fino bigode, por sua vez, pouco ou nada parecia ter mudado, e quiçá tenha sido isso que em primeiro lugar me ativou a memória e o sentimento.
Instantaneamente recordei as suas aulas. Dinâmicas e divertidas ao ponto me porem a chorar (literalmente) de tanto rir, entusiasmantes, capazes de deixar o sangue a fervilhar à medida que contava e narrava cada acontecimento, cada ano, cada época. Era exigente: nas suas aulas ninguém ousava falar por cima dele; reinava a ordem. De facto, ele gostava dessa sua monarquia, embora fosse uma mais liberal, pois valorizava as nossas intervenções, desde que oportunas; fascinavam-o, na verdade. O facto de ser mais insistente - alguns podem até considerá-lo mais rígido - refletia-se apenas no nosso bom trabalho; era para isso que ele (tão bem) trabalhava. Não tivesse sido maioritariamente graças a ele que consegui entrar no curso que escolhera.
Passado quase um ano desde essa altura para mim tão memorável e digna da minha breve história, recordei todas as suas esperanças carinhosas que me dedicou em tempo e em palavras encorajadoras. Portador de um olhar meio paternal, de um sentido de humor muito próprio, ensinou e semeou muito daquilo que hoje sou e do que defendo. Reconheço que tenhamos visões diferentes do mundo - ele mais conservador, apreciador da vida burguesa, segundo confissões suas; eu um pouco mais liberal -; contudo partilhamos de valores que tantas vezes a História (e ele mesmo) nos provou que rapidamente são subvertidos: a liberdade, a dignidade humana. Ensinou-me, acima de tudo, que somos todos humanos e que, independentemente das nossas ideologias e crenças, todos nascemos e morremos de igual forma, sejam quais forem as nossas características físicas, psicológicas. Há valores que se sobrepõem a outros, tais como o respeito. E eu respeito-o, muito, admiro-o até.
Pareceu-me que também ele me reconheceu da outra ponta da praça. Não me sorriu, apenas olhou, talvez também a tentar reconhecer a pessoa que, de longe, o olhava de volta. E no meio de nenhuma palavra, e de meses passados, senti de novo o seu empurrão nas minhas costas, como quem diz: «sempre soube que tinhas potencial». Ele, que chegou a acreditar mais em mim do que eu mesma, certamente indagou acerca dos caminhos que o meu potencial levou desde então. E eu, admiradora do seu trabalho e caráter, faço e farei os possíveis para não o desiludir.
Devíamos todos ter um professor assim: alguém que nos ensine, que nos construa e que, especialmente, nos incentive a ser sempre o melhor de nós, por nós e pelos outros.

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