Kafka à beira-mar: viagem (também interior) de um adolescente e um universo fantástico

Numa viagem de descoberta e libertação do seu destino, Kafka, um jovem de 15 anos, deixa a sua casa e o seu pai. Paralelamente é narrado um avistamento de um OVNI que deixou uma turma inconsciente, evento investigado sob o secretismo do exército americano. Um dos alunos, Nakata, não recuperou e ficou afetado cognitivamente.




A história começa com a partida de Kafka - nome inventado pelo jovem; o nome verdadeiro não chega a ser revelado (o autor inspira-se no trabalho de Franz Kafka, um grande nome da literatura). Foge de seu pai e do presságio que ele lhe lançou: dormirá com a sua mãe e com a sua irmã, que os abandonaram quando o adolescente tinha quatro anos. Vai à deriva para o oeste de Tóquio. Acaba por ficar numa pequena cidade a trabalhar para uma biblioteca/museu. 

De forma intercalada, conhecemos Nakata, o rapaz que não chegou a recuperar do evento nas montanhas que o deixou apático. Aquando da fuga de Kafa, Nakata já é um senhor de idade. Outrora um rapaz muito inteligente, perdeu todas as suas habilidades, exceto uma nova que ganhou: falar com gatos. A vida pacata deste senhor peculiar é acompanhada, à partida, sem qualquer tipo de nexo. O suspense intensifica-se pela ambição de querer saber o momento em que as duas histórias se cruzam. Aos poucos vamos entrando numa realidade fantástica.

A senhora Saeki, dona da biblioteca, possivelmente a sua mãe, desperta a atenção de Kafka, também a nível espiritual. Entre a fantasia e buscas insaciáveis, ambas as personagens das duas histórias procuram respostas que irão dar sentido à sua vida. Kafka, por um lado, procura fugir à maldição do destino que o persegue; Nakata, por outro, quer recuperar o seu antigo eu. Todas as personagens apresentam conflitos interiores que querem ver resolvidos, e os próprios diálogos e pensamentos demonstram essa profundidade.



O final, no entanto, acabou por ser uma desilusão. Não há respostas conclusivas. As personagens e o mundo fantástico não são explicados, nem se Kafka efetivamente fugiu ao seu destino e maldição ou não. Também não são dadas respostas acerca do fenómeno do OVNI que atordoou Nakata. Mas o livro valeu a pena pelo processo que foi a sua leitura. As viagens interiores das personagens, bem como as referências à tradição grega (tragédia de Édipo, mito da alma-gémea, tragédia grega e o conceito de coro, também personificado pela pseudo-personagem do Corvo) tornaram a leitura viciante, juntamente com o suspense criado. 

Páginas: 592


"(...) o princípio que presidiu à invenção do labirinto reside dentro de ti. e isso está de alguma forma relacionado com a noção de labirinto fora de ti. (...) Uma recíproca metáfora. As coisas no exterior são projeções do que tens dentro de ti, e o que tens dentro de ti é uma projeção do que te rodeia. Por isso, quando entras no labirinto exterior que te cerca, estás ao mesmo tempo a penetrar no teu labirinto interior. uma odisseia perigosa, sem sombra de dúvida." 
"O amor é isso mesmo, meu caro Kafka. Tu é que andas nas nuvens e experimentas todos esses sentimentos maravilhosos, do mesmo modo que só tu é que desces ao abismo mais profundo da angústia. E o teu corpo e a tua alma têm de suportar. Estás entregue a ti próprio."




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