Um Instagram que comunica política pode combater a baixar participação política dos jovens?

Trabalho realizado para a unidade curricular de Seminário em Estudos Jornalísticos, do Mestrado em Jornalismo na ESCS 


Perante a baixa participação dos jovens nas últimas eleições europeias, Raquel Lopes sentiu-se desiludida. Percebeu que havia necessidade de cativar os jovens para a política. Foi dessa ideia que surgiu o Politicamente Falando, uma página na plataforma Instagram que explica e simplifica a política. Hoje tem cerca de dois mil seguidores e já explicou temáticas como a histórias dos partidos políticos portugueses, a corrida presidencial americana e quais as medidas do estado de emergência.

        Todos os domingos é apresentado mais um conceito político na rúbrica “Alfabeto político”. Mas as temáticas abordadas não ficam por ali. Através de Instastories, com uma periocidade mais ou menos semanal, a iniciativa vai explicando de forma simples e sintética algumas temáticas. Nas últimas semanas as temáticas ficaram monopolizadas por um tema. Desde a explicação do Estado de Emergência, à síntese do desenvolvimento dos países mais afetados pelo covid19, o projeto não ficou indiferente ao vírus e ao seu impacto na política nacional e internacional.

    Raquel, uma das fundadoras do projeto, é atualmente jornalista da agência noticiosa Lusa e trabalha na secção de política. Falou com colegas do curso Ciências da Comunicação, da FCSH, da Universidade Nova de Lisboa, e começaram a investir no projeto. O principal objetivo “é fazer com que a política deixe de ser um bicho de sete-cabeças. Queríamos que fosse uma página feita por jovens para jovens e para tentar mitigar um bocadinho essa ideia de que os jovens não se interessam por política”, explicou.

        Embora não seja um órgão de comunicação, a sua organização faz lembrar a de uma instituição jornalística. A maioria dos colaboradores trabalham no meio jornalístico, mas também há quem venha da área da comunicação estratégica. No total são dez. Raquel e outro colega são editores, ela da secção de política nacional, ele da secção de política internacional. São oito os redatores e dois os membros da equipa de comunicação que transformam o conteúdo em histórias sintéticas, apelativas e dinâmicas. Além disso, trabalhar na secção de política dá a Raquel alguma facilidade em confirmar as fontes e as informações. Têm “muito por base o jornalismo que se faz em Portugal” e têm “todo o trabalho em encontrar fontes fidedignas”.

        Este projeto não é o único exemplo de iniciativas que fogem ao formato tradicional de transmitir informação, e em especial para falar sobre política. A jornalista Diana Duarte deu voz e cara ao podcast “A minha geração”, no jornal online Observador, convidou vários jovens com um currículo recheado, onde falam sobre si e sobre a atualidade, o que inclui temas políticos. Dois dos convidados são jovens políticos, Miguel Costa Matos, o mais jovem deputado, representante do PS, e Maria Castello Branco, que foi cabeça de lista da Iniciativa Liberal. O primeiro, falou (não só, também) sobre socialismo, e a segunda também deu a conhecer a sua visão liberal.

        As conversas são descontraídas, num estilo mais informal do que se está habituado e num formato que tem vindo a crescer e a ganhar terreno inclusive nas gerações mais novas: o podcast. Mas Diana Duarte já tinha chamado a atenção quando, antes de vir parar à redação de Alvalade, criou a página de Instagram da SIC Notícias. Num artigo da página “Digital Hub” da Faculdade de Ciências Humanas, da Universidade Católica de Lisboa, Diana Duarte refere “ter entusiasmo pelos temas e vontade de os fazer chegar a quem habitualmente está fora do alcance dos media tradicionais”. Abriu asas no Instagram, porque para o público da sua geração, “o Facebook caiu em desuso”.


A informação fora do modelo dos media tradicionais veio para ficar

        Se antes os jornais, canais televisivos e a rádio tinham um papel preponderante na transmissão de informação política, hoje o paradigma passa também pelos novos media. Estas iniciativas exploram “plataformas que não são, ou não eram, sítios muitos habituais de intervenção política”, explica Carla Baptista, professora e investigadora de Ciências da Comunicação e Jornalismo na FCSH. Deslocam “um bocado a lógica de que as redes sociais são só lugares de consumo, de interação mais social ou de entretenimento”. Ainda, reconhece que estes projetos conferem importância ao mundo digital e online, que é onde as pessoas passaram a estar, e é aproveitado para “deixar mensagens relevantes onde as pessoas estão”.

        Em casos como o podcast “A Minha Geração”, aos jovens é dado espaço para darem a sua voz e assim são chamados ao espaço público grupos que não estavam habitualmente representados ou que não tinham um espaço de intervenção, explicou a docente. O podcast tem ainda a vantagem de potenciar mais o debate do que o Instagram. A comunicação, e em especial o jornalismo, têm um papel fundamental na política, uma vez que dão voz à sociedade e incluem-na no espaço público, esclareceu. “As pessoas que precisam de expressar essas preocupações, porque a política também é isso, fazer valer um ponto de vista e ter um espaço que produza uma ação, uma decisão efetiva que contribua para melhorar a vida das pessoas”, continua. Contudo, se um grupo, os jovens, não se vê representado na esfera pública, pode incentivar o desinteresse político.

     Podemos ver vários fatores para entender o porquê da narrativa dos media tradicionais excluir vozes e temáticas que dizem respeito aos jovens. Uma delas é que a “agenda mediática tradicional em Portugal é ultra rígida, e muito pouco permeável ao tratamento qualificado desses tópicos” que cativam as camadas mais jovens, refere a investigadora. A perspetiva de José Adelino Maltez, professor catedrático Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, também é semelhante: o jornalismo atravessa uma “profunda crise de falta de meios e falta de criatividade”, o que compromete o tipo de trabalho que é feito. Como consequência, aponta o politólogo, verifica-se um desinteresse pelos jornais e por conseguinte pela política. “Se os jovens lessem mais jornais, participam mais e ficavam mais entusiasmados”, conclui.

        Ainda que haja “alguma resistência” para mudarem a narrativa habitual, porque os jornalistas estão “habituados a tratar os temas de uma forma mais tradicional e institucional”, afirma Paula Sá, editora de política do Diário de Notícias, verificou que os meios de comunicação têm tido uma habilidade em adaptar-se aos novos tempos. “Ao criarem os sites e as redes sociais, também têm tentado perceber o que funciona melhor nessas redes para tratar assuntos diferentes, e olha-se para o que está a ser feito”, também nos media alternativos.

        É difícil alterar as rotinas e convenções jornalísticas, que assentam muito numa rotina de fontes institucionalizadas, associadas a notoriedade e credibilidade, mas há soluções que podem ser pensadas. Uma delas “passaria pelos media alternativos ou estes tipos de iniciativas mais independentes e esperar que elas sejam um fenómeno massivo que arraste outros”, porque assim poderia continuar a comunicar com e para os jovens a longo prazo, afirma a investigadora de Ciências da Comunicação. Paula Sá sugere que se fale de assuntos concretos que digam respeito diretamente aos jovens, ou se utilizem ferramentas que cheguem mais facilmente aos jovens, como o Youtube. A jornalista deu o exemplo do cancelamento das aulas presenciais devido ao covid19 e como no tratamento jornalístico não se deu voz à população mais afetada pela medida.

        Estes projetos alternativos que fogem à linguagem dos media tradicionais não comprometem o trabalho jornalístico, mas também não o substituem. Raquel Lopes afirma que estes formatos podem ser complementares e atrativos para muitos jovens. “Tenho essa perceção porque trabalho na secção de política e o tipo de jornalismo que se faz numa secção de política muitas vezes é muito rotineiro. Percebo que nem toda a gente queira saber o que se passou no parlamento em debates quinzenais, porque isso não lhes afeta diretamente, e então aos jovens ainda menos”, acrescenta. E, deste modo, estes projetos podem preencher uma lacuna que existe nos media tradicionais.

        O maior problema, por um lado, é que não têm uma “dimensão política, de intervenção e com ligação ao campo político”, alerta Carla Baptista. O que quer dizer que se um jovem assistir e participar nestes projetos não significa que vá participar na política. Por outro lado, as dimensões marginais das iniciativas fazem com que não tenham grande visibilidade ou que não sejam viáveis a longo prazo.


 Os jovens não se interessam por política?

        Nas duas últimas eleições os níveis de abstenção foram superiores a 50% (51,4% nas legislativas e 69,3% nas europeias). Os jovens foram os que mais se abstiveram. Há outros fatores que podem explicar a baixa participação política. Mas o que significa, afinal, uma despolitização ou falta de interesse na política? Numa conceção de participação política tradicional, segundo um estudo de 2019, isso significa ingressar num partido político ou campanha e votar. Porém, hoje a noção de participação política é mais abrangente e inclui também a participação em organizações ou atividades, não só políticas, mas também culturais.

        Segundo o mesmo estudo, os fatores mais preponderantes são a idade, a educação e a classe social.  Paula Sá concorda com esta visão: “cada jovem é influenciado pela sua experiência familiar e em Portugal a participação política dos portugueses não é muito grande.” E aponta a apetência pela política como sendo construída ao longo do tempo, “porque a entrada das pessoas na vida ativa, no trabalho obriga as pessoas a abrir os horizontes para outras questões que não as preocupava quando eram jovens.” Raquel Lopes também tem noção do baixo interesse por parte dos mais novos, daí tentar     combatê-la com o seu projeto.

        José Maltez explica que a despolitização dos jovens, ou a sua falta de participação cívica e política sempre existiu desde que existe democracia demoliberal. Mesmo no que concerne à baixa afluência às urnas em eleições não é um sinal alarmante. Para o politólogo, o abstencionismo pode ser explicado pelo facto de não haver necessidade de mudança, o que quer dizer que não votar pode ser considerado como uma satisfação com o estado das coisas. Em simultâneo, explica que sempre houve “momentos cíclicos de tentar encontrar novas formas de comunicação para uma mobilização política. O problema é que falha sucessivamente”.

        Ainda assim, o feedback da página “Politicamente Falando” tem sido bastante positivo. A equipa recebido um bom feedback e várias mensagens a pedir para trabalharem outros temas, sem deixar de aplaudir o trabalho que têm feito. Até colegas de Raquel Lopes da agência Lusa mostraram interesse. Também as duas iniciativas de Diana Duarte foram bem recebidas. A página de Instagram da SIC Notícias ganhou cem mil seguidores num ano e a jornalista foi recebendo várias mensagens positivas sobre o novo formato, que foi partilhando na sua página pessoal de Instagram. Com o projeto gravado pelo Observador a receção foi semelhante: foram várias as mensagens de jovens a aplaudir a iniciativa.

        Contudo, o podcast “A Minha Geração” só teve 18 episódios e Diana Duarte mudou-se para a RTP e Antena 3. O investimento em passar para formatos amigos dos mais jovens continua aquém. Também Raquel vê o futuro do projeto como incerto. Ainda assim, está previsto o lançamento de uma rubrica em podcast com conteúdos mais desenvolvidos. E enquanto estiver ativo, Raquel espera que, pelo menos, consiga plantar o bichinho político noutros. “Houve uma rapariga que me perguntou que livros de iniciação à política ela podia ler. Se calhar a página deu-lhe alguma curiosidade por política e ela quer saber mais sobre política.”

Comentários